46% dos inadimplentes não têm condições financeiras de pagar as dívidas em atraso nos próximos três meses, mostra SPC Brasil
Em um ano, valor total das pendências diminuiu 34% e chega a R$ 3.544 mil. Perda do emprego e queda da renda são os principais motivos para não pagar as contas atrasadas
A crise econômica chegou forte nos lares brasileiros e desde 2014 os consumidores seguem preocupados com os impactos no bolso. Os reflexos foram imediatos e uma pesquisa nacional do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostra que quase metade dos brasileiros inadimplentes (46,5%) não têm condições de pagar suas dívidas em atraso nos próximos três meses. Seis em cada dez entrevistados (61,2%) no estudo
“Perfil do Inadimplente Brasileiro” acreditam que a situação financeira piorou na comparação com o ano passado, seja em razão do endividamento (24,4%), porque estão desempregados (16,4%) ou pelo fato da renda ter diminuído (20,4%). Apenas uma em cada cinco pessoas entrevistadas (20,6%) tem intenções de pagar e reúne condições para quitar as dívidas integralmente nos próximos 90 dias.
O levantamento mostra que, na comparação com 2015, o valor médio total das pendências diminuiu 33,9%, chegando a R$ 3.543,60 – entre os entrevistados das classes A e B e com idade entre 35 e 64 anos a dívida é ainda maior, de R$ 5.633,95 e R$ 4.176,29, respectivamente. Porém, a diminuição do valor total da dívida dos inadimplentes não é um reflexo de uma possível melhora na capacidade de pagamento desses consumidores.
“Nos últimos anos, a recessão, o desemprego e os efeitos da inflação enfraquecem o poder de compra das pessoas. Ao mesmo tempo, o acesso ao crédito se tornou mais restrito, uma vez que os concedentes começaram a exigir maiores garantias dos tomadores”, explica Roque Pellizzaro, presidente do SPC Brasil. “A dívida menor pode ser um sinal de que está mais difícil conseguir dinheiro emprestado para comprar. Consequentemente, cai o endividamento, ao menos temporariamente”.
Quando indagados sobre os principais motivos para deixar de pagar as contas atrasadas, percebe-se que a perda do emprego ainda é o fator de maior impacto, para 28,2% dos entrevistados (33,3% em 2015). Em seguida são mencionados a diminuição da renda (14,8%, contra 10,5% em 2015), a falta
de controle financeiro e de planejamento no orçamento (9,6%, contra 21,0% em 2015) e o empréstimo do nome para compras feitas por terceiros (9,3%, aumentando para 30,0% entre os mais velhos e 9,9% nas classes C, D e E).
De acordo com a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, mesmo que o desemprego e a queda de renda sejam acontecimentos alheios à própria vontade, ao qual todos estão expostos sobretudo quando o país se encontra em crise, o consumidor deve estar prevenido e contar com uma reserva financeira emergencial para manter as despesas sob controle. “Naturalmente, as pessoas que não costumam constituir reserva financeira para imprevistos vão sofrer mais com a perda do emprego.
Vale lembrar que não importa o tamanho da renda, o importante é saber guardar uma parte todos os meses, pois essa atitude pode fazer a diferença nas horas difíceis”, alerta Kawauti.
Aluguel, plano de saúde e condomínio são principais contas em dia
A pesquisa fez um mapeamento do comportamento do brasileiro inadimplente em relação aos compromissos financeiros que possuem e também as suas dívidas. As principais contas que os devedores têm são de serviços básicos de água e luz (57,6%), cartão de loja (47,5%), contas de telefone (41,9%) e cartão de crédito (40,4%).
Os compromissos que mais se encontram em dia, são o aluguel (94,9%), o plano de saúde (91,8%) e o condomínio (91,3%). Por outro lado, considerando as contas em atraso, as principais são relacionadas a serviços de crédito como empréstimo em bancos ou financeiras (89,6%), parcelas do cartão de loja (83,9%), cartão de crédito (74,9%) e contas de crediário e carnês (68,7%). No geral, todas essas pendências em atraso estão nessa situação há mais de um ano. Os destaques são o longo período de 21,3 meses em média de parcelas atrasadas de empréstimo de bancos e financeiras, 21,7 meses do cheque especial e o tempo menor de atraso de sete meses para as contas de água e luz.
“A iminência de corte de serviços de necessidade básica quando há atraso no pagamento pode ser um motivo para que essas contas tenham menor percentual de atraso em relação às dívidas bancárias. A pessoa não tem como pagar tudo; então, elege prioridades como o aluguel e o plano de saúde, por exemplo. Já o pagamento das contas relacionadas ao crédito bancário, por terem, em geral valores mais altos e por conta do momento econômico desfavorável, pode ser adiado. Além disso, os juros dessas despesas são os mais altos, contribuindo para aumentar rapidamente o valor total da dívida do consumidor”, analisa Kawauti.
A economista afirma que, além da maior dificuldade do consumidor em arcar até mesmo com as contas básicas em meio à crise econômica, as empresas que prestam esses serviços de água, luz e plano de saúde mostram cada vez mais disposição em negativar os inadimplentes, como forma de acelerar o recebimento dos compromissos em atraso. “Tem sido mais comum que essas empresas negativem o CPF do residente antes de realizar o corte no fornecimento ou a interrupção do serviço prestado”.
Os “culpados” da inadimplência: roupas, calçados e eletrodomésticos
O levantamento do SPC Brasil e CNDL também identificou quais são os principais produtos e serviços que os consumidores compraram e que os levaram às dívidas e à inadimplência: roupas (45,0%, aumentando para 50,6% entre as mulheres e 57,7% entre os desempregados), calçados (25,8%) e eletrodomésticos (17,4%) – 11% nem ao menos se lembram dos produtos comprados.
A pesquisa mostra que além da perda do emprego, alguns hábitos de consumo também favoreceram a inadimplência. Considerando os entrevistados que alegaram descontrole financeiro como causa do nome sujo, os principais motivos são a vontade de aproveitar promoções sem avaliar o orçamento (31,7%) e não negociar bem no momento da compra (29,3%). Questionados sobre possíveis problemas que poderiam estar passando e que teriam contribuído para ficarem inadimplentes, 50,0% dos entrevistados afirmaram que não estavam passando por nenhum momento difícil, 10,1% sofriam de ansiedade, 8,8% tinham problemas no trabalho e a mesmo percentual também estavam com o emocional abalado por problemas financeiros foram os mais citados.
“Analisando os itens mais citados como responsáveis pela dívida que levou à inadimplência, podemos afirmar que há certo desequilíbrio por parte do consumidor. Embora alguns destes itens possam ser considerados de primeira necessidade, chegar à inadimplência por causa disso sugere que houve exagero ou falta de planejamento nas compras”, aponta o educador financeiro do SPC Brasil, José Vignoli. “Para muitos brasileiros, é um desafio frear o ímpeto de ir às compras e agir racionalmente diante de tantos apelos e vontades, mas é preciso considerar que a queda no poder de compra, neste momento, é generalizada, sem distinção de classe social. Todos, portanto, devem adotar cautela extra na gestão do orçamento mensal, a fim de evitar desequilíbrios e problemas financeiros”, conclui Vignoli.
71% ficaram com o nome sujo pela primeira vez no último ano
De uma forma geral, o perfil do inadimplente manteve-se similar quando comparado aos dados levantados em 2014 e 2015:
56,3% dos inadimplentes são do sexo feminino;
64,1% têm idade entre 25 a 49 anos;
58,8% têm ensino médio incompleto ou completo;
92,2% são das classes C, D e E;
33,9% são funcionários de empresas privadas e 28,4% autônomos;
15,9% estão desempregados, sendo a média de nove meses nessa situação.
A pesquisa identificou um aumento significativo de 23,2 pontos percentuais no total de pessoas que estão com o nome sujo pela primeira vez (71,4%) na comparação com 2015, sobretudo entre os homens (77,2%, ante 67,0% entre as mulheres).
Negociar com credores e fazer bicos são estratégias para limpar nome
Para 47,3% dos inadimplentes, o acordo com os credores continua a ser o meio preferido para limpar o nome – em 2015 o percentual era de 37,2%. Em seguida, estão a geração de renda extra por meio de bicos (22,9% contra 9,3% no ano passado) e fazer economias no orçamento (21,1%, contra 10,9% em 2015). Considerando esses inadimplentes que pretendem economizar para pagar as dívidas (21,1%), os principais cortes no consumo serão no lazer (46,6%), compra de roupas e calçados (36,2%) e alimentação fora de casa (34,5%).
Em média, os entrevistados acreditam que todas as dívidas em atraso serão pagas em média em 12 meses, sendo que 9,5% admitem levar de um a dois anos para isso. As dificuldades enfrentadas para limpar o nome mais citadas correspondem a deixar de consumir produtos e serviços considerados fundamentais ou básicos pelos inadimplentes (38,7%) e o valor da dívida, considerado muito superior aos rendimentos (34,1%).
“A situação se torna ainda mais preocupante quando se analisa o cenário econômico atual, caracterizado pelo achatamento do poder de compra, pela inflação elevada e pelo crescimento dos níveis de desemprego”, afirma o presidente do SPC Brasil. Para Roque Pellizzaro, o momento econômico do país pede especial atenção aos hábitos de consumo adquiridos nos últimos 20 anos.
Ainda assim, apesar do cenário atual negativo, tanto na economia quanto na vida financeira de cada brasileiro, os inadimplentes se mostram otimistas com relação ao futuro: 52,3% acreditam que sua situação financeira irá melhorar em um horizonte de seis meses – percentual maior dos que os 24,1% que imaginam uma situação igual à atual e do que os 5,8% que esperam uma piora.